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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

POR WILLIAM HARRIS - INSTANTES E JORGE LUIS BORGES



Dr. William Harris



Alguns esclarecimentos sobre INSTANTES 1
  e mais um pouco sobre Jorge Luis Borges (1899-1986)

WILLIAM MOFFITT HARRIS 2

Fui, durante alguns anos, diretor e editor da Revista Brasileira de Saúde Escolar da Associação Brasileira de Saúde Escolar - ABRASE, criada por mim quando presidente da entidade e, consequentemente, responsável pelos seus primeiros três volumes (1990, 1992 e 1994), num total de sete fascículos. À página 197, do Volume 3, coloquei o belo poema INSTANTES atribuído ao poeta argentino Jorge Luis Borges. Retifiquei a autoria, posteriormente, mediante uma corrigenda, face ao artigo escrito pelo ex-acadêmico (ABL) Moacyr Scliar (RIP), no jornal Folha de S. Paulo, em seu caderno dominical Mais!, publicado em 17 de dezembro de 1995. Nele, o escritor esclarecia que o poema seria de Nadine Stair, tendo sido publicado, originalmente, numa antologia da Bantam nos EUA.3
Ainda, de acordo com o artigo de Moacyr Scliar, o texto aparecera na Argentina com a autoria trocada, em 1986, na revista Uno Mismo, cujo proprietário, em 1993, sob pressão da viúva de Borges, Maria Kodama, chegara a fazer a devida retificação, mas sem qualquer repercussão. Por ocasião do artigo de Scliar, a questão estava em demanda judicial na Argentina, uma vez que a mencionada viúva não estava de acordo com o teor do poema como representante fiel do pensamento de Jorge Luiz Borges. Não tenho a menor idéia de como ficou aquela questão jurídica. Em entrevista recente ao jornalista Antonio Gonçalves Filho, por telefone, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, esta senhora informou que nunca processou jornalista algum e que não existem estudos sérios e confiáveis sobre a personalidade, os sentimentos e a obra de Borges. Disse, ainda, que ela é a única herdeira de seus pensamentos e sentimentos íntimos, desde quando foi sua aluna na universidade e durante os muitos anos em que viveram juntos até seu falecimento. Há, inclusive, obras de Borges, algumas das quais inacabadas, que ele, em vida, não deu autorização para sua publicação. Apesar das críticas recebidas, Maria Kodama republicou obras que Borges pretendia algum dia revisar e complementar, e sobre as quais discutira com ela alguns pormenores. Respondendo ao jornalista durante a entrevista afirmou “... Todas as pessoas que falam, dizem e inventam só falam, dizem e inventam. A realidade só eu sei”. Indagada se supervisionaria as edições em português, foi categórica “Não, porque não falo a língua.” Mais adiante, filosofando afirmou “... Quando leio Borges, não leio o homem que me amava e que eu amo, leio como uma leitora que está diante da obra de um grande autor.”4
Pesquisando na Internet, em torno de 2003, verifiquei na época que existia na literatura mundial mais de duas mil citações bibliográficas tangentes a Nadine Stair. Fixei-me, temporariamente, num artigo de quinze páginas para me atualizar e repassar alguns dados aos prezados companheiros sobramistas. O aludido artigo poderá ser acessado pelos interessados: IVAN ALMEIDA. Jorge Luis Borges, autor del poema InstantesBorges Studies on Line. On Line. J. L. Borges Center for Studies & Documentation. Internet: 17/06/2001
Borges Studies on Line é um suplemento eletrônico do Journal Variaciones Borges, editado pelo J. L. Borges Center for Studies & Documentation da Universidade de Aarhus da Dinamarca. Para correspondência pessoal o endereço eletrônico é: borges@hum.au.dk
Tentei, a seguir, esboçar uma resenha parcial do artigo de Ivan Almeida.
O autor, em suas pesquisas, encontrou mais um contemporâneo de Borges que teria sido o escritor inicial do texto em discussão e afirma ter havido plágios sucessivos, uma vez que a primeira versão do conteúdo do poema foi publicada em 1953 (e aqui, deixo claro que existem muitas versões e variantes de Instantes ou Momentos sendo que a da Nadine Stair tinha outro título “If I had my life to live over”). Na edição de outubro de 1953 do Reader’s Digest (Seleções, em inglês) o caricaturista americano Don Herold o publicou, segundo Ilza Carvalho em mensagem eletrônica ao autor Ivan Almeida, aos 11 de fevereiro de 1999, autoria esta confirmada pela filha do Herold, Doris Herold Lund.5
Por ocasião da publicação daquele artigo, Borges tinha 54 anos e Stair 55. O texto está em prosa e seu conteúdo transcende ao que está exposto no poema atribuído a Borges e Stair, tanto em número de colocações quanto às comparações metafóricas. No canto em cima estão, em itálico, o título do poema de Nadine Stair... “If I had my life to live over...“ (Se eu pudesse viver novamente minha vida...) e mais embaixo em letra maior, o título I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas).
No trabalho de Ivan Almeida, não há menção à publicação de 1986, na Argentina, citada por Scliar e aponta, como sendo a primeira menção à autoria de Borges, o próprio texto “Instantes” publicado às páginas 4 e 5 do número de maio de 1989, da revista mexicana Plural (fundada por Octavio Paz em 1971).  O artigo do escritor Mauricio Ciechanover, expondo o poema atribuído a Borges (1899 - 1986), intitula-se Un poema a pocos pasos de la muerte.
No livro Todo Mexico, da autora Elena Poniatowska, editado em 1990, há um capítulo de 45 páginas inteiramente dedicado a Jorge Luis Borges, fruto de uma entrevista feita em 1976. Durante a mesma, Poniatowska informa que enquanto conversavam de Bernard Shaw a Joseph Conrad e antes de passarem a discutir a respeito de Tolstoi, Dostoievsky, Balzac e Proust, ela recitou Instantes e El remordimiento de autoria de Borges. Relata a seguir a reação dele: “Que me importa ter sido desditoso ou feliz? Isto se passou há tanto tempo... Estes poemas são demasiado imediatos, autobiográficos; são remorsos!”
Analisando a época em que se teria dado esta entrevista, Borges nunca poderia ter estado com 85 anos de idade. Segundo Rafael Olea Franco - continua Ivan Almeida - apesar de a autora ter informado em seu livro o ano de 1976 como sendo o da entrevista, na verdade Poniatowska já havia a publicado, em seriado, em 1973, no jornal Novedades, nos dias 9, 10, 11 e 12 de dezembro. No entanto, segundo os estudiosos, El remordimiento (O remorso) só veio a público pela primeira vez no periódico bonaerense (portenho) La Nación, em 1975.
Maria Kodama, viúva e editora das obras de Borges, no prólogo de seu volumoso datado de 1995, Borges en la Revista Multicolor, critica as pessoas que, por ignorância, segundo ela, em nada analisaram o estilo e o conteúdo do poema Instantes atribuído erroneamente a Borges. A linguagem seria por demais infantil e de forma contraditória à mensagem dos princípios que Borges sustentou durante toda sua vida.
O primeiro registro da autoria de Nadine Stair tangente a Instantes é de 1978, no periódico Family Circus (27 de março de 1978, página 99), portanto, dois anos após a entrevista noticiada por Poniatowska em seu livro de 1990. O texto foi sofrendo várias modificações à medida que foi sendo impresso em camisetas em campanhas paroquiais.
As versões para o português e castelhano deixam muito a desejar e a situação piora quando o reverso acontece mais adiante, por ocasião da tradução para o inglês, feita pelo poeta escocês Alistair Reid, do texto Instantes atribuído a Jorge Luis Borges (segundo Almeida). Embora se assemelhem quanto ao conteúdo, estas duas versões em língua inglesa diferem bastante entre si.
Eu gostaria, no entanto, de recomendar aos interessados que copiassem da Internet o artigo de Ivan Almeida, porque é interessantíssimo e muito rico em detalhes verdadeiramente “sherloquianos”. O texto, datado de 2003, vem acompanhado de uma bibliografia apreciável e notas do autor.
Outro admirador de Borges é o acadêmico santista AMILCAR FERRÃO PINTO que descreve numa das edições de SANTOS, Arte e Cultura haver muito se sensibilizado com as evocações sentimentais do passado; “... poemas comoventes que falam dos arrabaldes, dos pátios de sombra, dos velhos cemitérios, do casarão monótono, imagens repassadas de ternura nostálgica”. Guardou versos que repetia em silêncio “As ruas de Buenos Aires / já são minhas entranhas. / Não as ávidas ruas, / incômodas de turba e agitação, / mas as ruas entediadas do bairro, / quase invisíveis de tão habituais, / enternecidas de penumbra e do ocaso...” Em outro trecho diz “... ele, cego, é que eu sentia conduzir-me como num sonho em que apareciam quadros de sua mitologia: espelhos múltiplos, labirintos, seres quiméricos, atlas de povos antigos, coleções de espadas, tigres de ouro...” 6, 7
Borges nasceu em 24 de agosto de 1899, em Buenos Aires, no subúrbio periférico e pobre de Palermo, cenário de muitos dos seus trabalhos. Seu pai era professor de um escola inglesa e tinha uma ampla visão querendo sempre um futuro brilhante para seu filho.  Fê-lo ler Hukleberry Finn, Dom Quixote, novelas de H.G.Wells, Mil e Uma Noites e outros. Desde cedo, Borges percebeu que seguiria uma carreira literária. Na véspera da Primeira Guerra Mundial, em 1914, sua família se mudou para Genebra, onde aprendeu francês e alemão. Recebeu seu grau de “Mestre em Artes” no Collège de Genève. Em 1919, terminada a guerra, a família passou um ano em Majorca e um ano na Espanha, onde ele se uniu a um grupo radical que se rebelava contra o que denominavam “a decadência da geração de escritores de 1898”. Em 1921, voltaram a Buenos Aires. Deixou um pouco de lado a timidez por ficção, escrevendo também sobre aspectos históricos de países da América do Sul, além de uma biografia que foi bem aceita (Evaristo Carriego). Foi nomeado para um alto cargo na Biblioteca Municipal. 7
Sofreu um acidente grave que o deixou parcialmente surdo, com dificuldades para falar e mentalmente um pouco perturbado. Isto ocorreu no ano em que seu pai faleceu, 1938.
Borges, além de Dante, Shakespeare e Virgílio, tinha um gosto especial por contos policiais, de ficção científica e fantásticos, mas possuía, de acordo com alguns analistas, certa postura aristocrática, talvez pela sua formação européia, com alusões à cultura dos antigos romanos e gregos e até demonstrava um certo desapreço concernente a nomes consagrados do mundo literário. Negava influência de outros em seus escritos. Dizia sempre: “Tudo que escrevi tem a virtude de ter sido espontâneo”.  Como parte de sua filosofia de vida, considerava em relação à poesia que “... ela deve dar-nos a impressão não de descobrir algo novo, mas de descobrir algo esquecido.” 6
Sofreu perseguição política por incompreensão de suas idéias que provocavam grandes polêmicas. Criticava abertamente os políticos e a democracia representativa. Foi, inclusive, afastado da direção da Biblioteca Nacional pela ditadura de Juan Perón, em 1946, por ter expressado apoio aos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Neste período, foi muito ajudado por amigos e admiradores que lhe arrumaram aulas, conferências e serviços de tradução. Em 1952, foi publicada uma coleção de ensaios de sua autoria, escritos entre 1937 e 1952, em que demonstrou estar em plena forma analítica. Com a queda de Perón, em 1955, foi nomeado para o cargo honorário de Diretor da Biblioteca Nacional e também professor de literatura inglesa e americana da Universidade de Buenos Aires. 6, 7
Nesta época, já estava totalmente cego, como se pai, devido a uma afecção genética que, a partir de 1920, teve seu processo iniciado quando Borges tinha apenas vinte e um anos de idade. Foi quando abandonou a escrita e passou a ditar seus textos para sua mãe, secretárias e amigos. Mais tarde, esta função foi assumida por sua aluna e depois esposa e editora Maria Kodama.7
Em 16 de abril de 1999, foi organizada na Universidade de São Paulo, mais especificamente pela área de espanhol da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, uma mostra de obras de Jorge Luís Borges em comemoração ao centenário de seu nascimento (24 de agosto). Esta mostra passou por  vários espaços em São Paulo, mormente no anfiteatro de Geografia da USP, no Instituto de Estudos Brasileiros, no Museu de Arte Moderna – MASP. Neste último, no dia 15, a Editora Globo lançou o segundo volume de suas obras completas. Neste volume, publicaram-se traduções de muitos poemas de Borges, feitas por Leonor Scliar Arrojo. Comentando as dificuldades encontradas por qualquer tradutor, Leonor disse: “Uma das grandes dificuldades é a diferença entre o sistema vocálico do espanhol e do português. O primeiro tem cinco vogais orais e o português sete, embora o alfabeto seja o mesmo. Isso às vezes trai o tradutor. Também a prosódia é bem diferente: o acento tônico em espanhol não cai na mesma sílaba que em português, o que causa problemas para a métrica.” 8, 9
Vários estudiosos e apologistas do argentino proferiram palestras sobre ele, entre os quais João Alexandre Barbosa (Borges, leitor de Quixote), David Arigucci Jr. (Borges e a Experiência Histórica), Júlio Pimentel Filho, professor do Departamento de História da USP, (Uma Poética da Memória), especialistas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, das Universidades Federais de Santa Catarina e Minas Gerais, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, além de outros estudiosos que vieram da Argentina e Colorado e da própria USP. Neste contexto destaca-se o que comentou Júlio Pimentel Filho: “... Borges foi mais um memorioso do que um historiador, mas para se lidar com a memória precisa, inevitavelmente, circular no mundo da história.... Borges ‘recusa’ a história não porque descarte suas implicações críticas, nem porque esteja concentrado no ofício da imaginação, mas pelo risco que esta história representa de, pela historização dos artifícios da memória, dissolver o espaço da lembrança.” 8
MINHA CONCLUSÃO FINAL: Uma boa tradução do artigo original de 1953 teria sido muito melhor para a comunidade literária internacional:
DON HERALD. I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas), Reader’s Digest (Seleções), Outubro de 1953. Página 71


1 – Baseado nos textos originalmente apresentados em 15 de julho de 2004 na 168a Pizza Literária da SOBRAMES-SP e publicados em Ressonâncias Literárias (Antologia 2009). Fortaleza: SOBRAMES-CE, 2009. p.219 e A Presença Literária do MMCL – Vol.2 do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário. (Organizadores) William Moffitt Harris e Alitta Guimarães Costa Reis.  Itu-SP: Ottoni Editora, 2010.

2 - Pediatra Sanitarista. Prof. Dr. (aposentado) da Faculdade de Saúde Pública – USP. Fundador (05/05/05) e Coordenador Estadual do Movimento Médico Paulista do Cafezinho Literário – MMCL. Membro Titular ativo da Associação Brasileira de Médicos Escritores – SOBRAMES desde 2003, nível central SOBRAMES-BR, níveis regionais SOBRAMES-PE, SOBRAMES-RS. Membro Honorário e Titular da SOBRAMES-CE. Dissidente e separatista da SOBRAMES-SP. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Sócio Titular da Associação Paulista de Medicina e Associado da Associação dos Médicos de Santos. Membro Associado da Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios “Frei Gaspar da Madre de Deus” de S. Vicente – SP. “Padrinho” do MLSS - Movimento Literário Saberes e Sabores de S. Gonçalo do Sapucaí – MG.

3 - Existiria um exemplar da Rev. Bras. Saúde esc., Vol. 3, na biblioteca da SOBRAMES-SP

4 - GONÇALVES, A., FILHO – Borges, Completo e Novo. O ESTADO DE S. PAULO, Caderno 2, Ano XXVI, No 1.413, 25 de novembro de 2007.

5 - Tenho um exemplar daquele número do Reader’s Digest, do qual herdamos bela coleção (um pouco incompleta) do meu pai. O artigo é: DON HERALD. I’d pick more daisies. (Eu colheria mais margaridas), Reader’s Digest, Outubro de 1953. p. 71)

6 - PINTO, A. F. – Impressões Sobre Borges. SANTOS, Arte e Cultura. Santos-SP: (Editor: Cláudio de Cápua). Ano II, janeiro de 2008. p.16

7 - The New Encyclopaedia Britannica. By Encyclopaedia Britannica Inc., 15th ed., 1980. Chicago/London/Toronto/Geneva/Sydney/Tokyo/Manila/Seoul.   - Printed in U.S.A.   
Macropaedia, Vol.3 p.40 e 41

8 - PINTO, J. P. – In: ROLLEMBERG, M. & CAMPOS, M. O bruxo centenário. Jornal da USP (26 de abril a 2 de maio de 1999). São Paulo, 1999. p. 14

9 - ARROJO, L. S. – In: ROLLEMBERG, M. & CAMPOS, M. O bruxo centenário. Jornal da USP (26 de abril a 2 de maio de 1999). São Paulo, 1999. p. 14e

Um comentário:

  1. A cada leitura, mais me surpreendo com o valor da pesquisa realizada pelo colega sobramista e como um poema pode suscitar tantas autorias. Talvez porque ele fale de sentimentos comuns à maioria das pessoas. Eu mesma gostaria de tê-lo escrito por sua tocante simplicidade e emotividade.

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