Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE |
VINGANÇA
Hei de encontrá-lo e nesse dia não
responderei por meus atos. Ali mesmo, à luz do dia ou ao clarão da lua,
entrarei com meu braço inteiro goela abaixo, rumo ao estômago e, dali, puxarei
seu fígado, rasgando-lhe as entranhas sem pena. Quero vê-lo estrebuchar à minha
frente, enquanto eu, sob o gosto da fria vingança, nutrida há tantos anos,
direi calmamente: “Aguarde um momento... Apenas um instante...”. Por que sentir
pena se ele, tantas e tantas vezes, travestido em um rosto simpático e
sorridente, informou que não estava disponível às minhas pequenas necessidades.
Há
muito eu o procuro. Diferentes situações
e lugares trazem à tona esse camarada capaz de me atrapalhar um dia todo, gerar
consideráveis prejuízos e atrasos por conta de sua inoperância ou lentidão.
Todos falam nele e dele quando as coisas não andam bem, mas ninguém realmente o
conhece. Apesar desse anonimato, não me cansarei de procurá-lo, por mais
difícil que possa parecer. Venho do tempo em que ele não existia e o mundo real
era concreto. A gente sempre encontrava alguém, um bode expiatório para
projetarmos nossas neuras. Era ali mesmo, “pei-bufo”! Agora, tudo mudou. As
pessoas se escondem por trás de um personagem que nunca dá as caras. Sentem-se
bem à vontade para atribuir a ele todas as falhas no desenrolar dos
procedimentos. Ora o Sistema está lento, ora inoperante ou mesmo travado.
Lentidão, preguiça, indisposição e outros sentimentos humanos são agora de
responsabilidade do senhor Sistema. Ele trava e entrava tudo e todos. Sempre
que ouço seu nome, percebo quão impotente sou diante de um mundo informatizado
e dominado por um ser que beira o sobrenatural.
De onde saiu esse tal Sistema que me aporrinha o juízo e mexe tanto com
meu sistema nervoso?
Outro
dia, uma moça do telemarketing ligou para minha casa. Quando atendi, ela
informou ser da companhia telefônica, mas que eu considerasse a ligação sem
efeito, pois o Sistema naquele momento estava inoperante, ao que respondi: “E
eu com isso? Quem sabe com Viagra ele melhore...”
Eis
porque, quando nos encontrarmos, vou lhe jogar na cara toda minha
indignação. Meu íntimo cão raivoso vem
arquitetando ameaças terríveis contra o Sistema e pretende colocá-las em
prática, não importa onde ou em que momento. Partirei para cima dele sem
compaixão e por mais que se debata, recordarei quantas vezes me deixou
esperando, sem notícias e sem desculpas.
Após esta catarse, como não tenho por hábito guardar rancor, cairei em
seus braços, em um deleite supremo, sem reservas. Afinal, ele faz parte da
realidade presente e futura. Não serei tola em romper uma relação mal começada.
Daqui algum tempo, sem ele eu talvez nem encontre o caminho de volta para casa.
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