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terça-feira, 19 de março de 2013

POR CELINA CÔRTE - VINGANÇA


Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE


VINGANÇA
                                                                      
                        Hei de encontrá-lo e nesse dia não responderei por meus atos. Ali mesmo, à luz do dia ou ao clarão da lua, entrarei com meu braço inteiro goela abaixo, rumo ao estômago e, dali, puxarei seu fígado, rasgando-lhe as entranhas sem pena. Quero vê-lo estrebuchar à minha frente, enquanto eu, sob o gosto da fria vingança, nutrida há tantos anos, direi calmamente: “Aguarde um momento... Apenas um instante...”. Por que sentir pena se ele, tantas e tantas vezes, travestido em um rosto simpático e sorridente, informou que não estava disponível às minhas pequenas necessidades.
                   Há muito eu o procuro.  Diferentes situações e lugares trazem à tona esse camarada capaz de me atrapalhar um dia todo, gerar consideráveis prejuízos e atrasos por conta de sua inoperância ou lentidão. Todos falam nele e dele quando as coisas não andam bem, mas ninguém realmente o conhece. Apesar desse anonimato, não me cansarei de procurá-lo, por mais difícil que possa parecer. Venho do tempo em que ele não existia e o mundo real era concreto. A gente sempre encontrava alguém, um bode expiatório para projetarmos nossas neuras. Era ali mesmo, “pei-bufo”! Agora, tudo mudou. As pessoas se escondem por trás de um personagem que nunca dá as caras. Sentem-se bem à vontade para atribuir a ele todas as falhas no desenrolar dos procedimentos. Ora o Sistema está lento, ora inoperante ou mesmo travado. Lentidão, preguiça, indisposição e outros sentimentos humanos são agora de responsabilidade do senhor Sistema. Ele trava e entrava tudo e todos. Sempre que ouço seu nome, percebo quão impotente sou diante de um mundo informatizado e dominado por um ser que beira o sobrenatural.  De onde saiu esse tal Sistema que me aporrinha o juízo e mexe tanto com meu sistema nervoso?
                   Outro dia, uma moça do telemarketing ligou para minha casa. Quando atendi, ela informou ser da companhia telefônica, mas que eu considerasse a ligação sem efeito, pois o Sistema naquele momento estava inoperante, ao que respondi: “E eu com isso? Quem sabe com Viagra ele melhore...”
                   Eis porque, quando nos encontrarmos, vou lhe jogar na cara toda minha indignação.  Meu íntimo cão raivoso vem arquitetando ameaças terríveis contra o Sistema e pretende colocá-las em prática, não importa onde ou em que momento. Partirei para cima dele sem compaixão e por mais que se debata, recordarei quantas vezes me deixou esperando, sem notícias e sem desculpas.  Após esta catarse, como não tenho por hábito guardar rancor, cairei em seus braços, em um deleite supremo, sem reservas. Afinal, ele faz parte da realidade presente e futura. Não serei tola em romper uma relação mal começada. Daqui algum tempo, sem ele eu talvez nem encontre o caminho de volta para casa.
                                                                    
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