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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

POR: JOSÉ MARIA BONFIM - 25 ANOS SEM PAULO MARCELO


Dr. José Maria Bonfim - Médico e Membro da Sobrames-CE

25 ANOS SEM PAULO MARCELO

Publicado no Jornal DN - DEBATES E IDEIAS - 05/01/2014


Neste janeiro, há 25 anos a Medicina se via desfalcada de um dos seus maiores gênios. Ia-se na distante e cinzenta manhã de domingo o inesquecível Paulo Marcelo Martins Rodrigues. Nunca fui do círculo de amizade do doutor Paulo. Eu um matuto simples dos sertões de Crateús, filho de ferroviário. Ele de estirpe nobre, não pela riqueza, mas pelas tradições políticas e intelectuais que herdara de seu pai. Conheci Marcelo quando aluno da Faculdade de Medicina. Enchi-me de entusiasmo, por um ser humano fantástico. Tornei-me um dos seus mais ardorosos discípulos. Se me faltava saber para acompanhá-lo, sobrava-me veneração, pela lógica do seu pensamento precioso. Pelo equilíbrio do seu raciocínio clínico. Fui seu paciente e por fim seu médico. Não pela minha competência, mas pelo carinho e amor que lhe dedicava. Quando as névoas do desânimo me sufocavam, bastava-me vê-lo. Como se fosse a aurora de uma brisa perfumada, descobrindo um sol de esperança. Nos meus 40 anos de médico, fico feliz de ter reconhecido e convivido, de ter caminhado com uma criatura tão especial. Mesmo neste báratro de 25 anos de silêncio, no desconforto de minha alma, nunca encontrei alguém tão fulgurante. Talento de sublimidade a serviço dos destroçados. Deitava sobre eles olhos de compaixão. Esvaziava-se de si, para enchê-los de esperança. Palpava o corpo e alma. Cheirava os seus odores. Era capaz de provar de seus humores. Um médico que vale gerações. Faiscando de competência apagava com simplicidade as tintas arranhadas de dor. Como é sublime ter conhecido alguém que, despossuído de si mesmo, para ver o padecente encher-se de esperança. Sua existência foi curta, mas sua vida de colocar doçura no lugar do amargor, profícua, consistente e firme de inteligência e de Deus. Foi a Crateús, atrás do padre Kuntz, um santo morador de rua, sobrevivente dos campos de concentração, que morava e dormia no chão num casebre do prostíbulo da cidade. Mas eu pensava; nunca vi um santo curar outro santo. Amava a Medicina, mas amava muito mais o paciente. Trafegava com destemor nos meandros difíceis do diagnóstico. Lutava contra a morte com a tenacidade e humildade de poucos. Este homem existiu. Carismático, amigo, pobre, sofredor, este médico existiu. E eu caminhei bem perto deste monstro sagrado da Medicina.

José Maria Bonfim de Morais
médico cardiologista   

Um comentário:

  1. Belíssima homenagem! Um texto assaz agradável e emocional. Parabéns, caro colega!

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