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domingo, 23 de junho de 2013

POR: JOSÉ WILSON DE SOUZA - I SÓ metria


Dr. José Wilson de Souza - Médico e Membro da SOBRAMES-CE
                   Imetria
                                       (Rio de Janeiro – 1986)
Saudades...
Solidão...
Sozinho...
Sentido...
Sacrifício...
Sedento...
Sequioso...
Séquito...
"Saco"
Sacudido
Sofrido
Saudades
Sofrido...
Sacudido...
"Saco"
Séquito...
Sequioso...
Sedento...
Sacrifício...
Sentido...
Sozinho...
Solidão...
Saudades...

quinta-feira, 20 de junho de 2013

POR: FÁTIMA AZEVEDO - ENGANO SEU

 
Fátima Azevedo - Médica e Membro da SOBRAMES-CE
 
ENGANO SEU
 
Tu dizes que me conheces,
mas sei estás enganado.
Nem eu mesma me conheço,
nem sei com quem me pareço.
 
Tu dizes que me conheces,
mas nem de ti tu o sabes.
Tu vives perdido e aflito,
no meio de tempestades.
 
Tu dizes que me conheces,
mas sou como a natureza,
que muda a cada instante,
sempre cheia de surpresa.
 
Eu sou o sol, sou a chuva,
sou o dia e sou a noite.
Eu sou o certo e o errado,
eu sou o sim e o não.
 
(1987)

terça-feira, 18 de junho de 2013

POR: RAYMUNDO SILVEIRA - AS ENTRANHAS DA ALMA



 
Dr. Raymundo Silveira - Médico e Membro da SOBRAMES-CE

AS ENTRANHAS DA ALMA[1]


“Mens immota manet, lacrimae volvuntur inanes”.



Virgílio, Eneida 4.449

Hospitais de Pronto Socorro são vitrines escancaradas das entranhas da alma. Diferem de qualquer outro ambiente de convivência humana. Lá, os contrastes são estruturais; nunca conjunturais. O Pronto Socorro é uma tristeza alegre, uma beleza feia, uma suavidade áspera, um desejo rejeitado, um aroma malcheiroso, uma resignação revoltada...

Coexistem lado a lado a dor e o prazer, o amor e o ódio, a bondade e a maldade, a esperança e o desengano, a vitória e a derrota, a felicidade e a desgraça. Guerra e Paz. Inferno e Paraíso. O Pronto Socorro é tudo. Inclusive – ou principalmente – incerteza. Só não é neutralidade e indiferença.  Nessa perspectiva ele é o reflexo perfeito da vida real.

O hospital difere ainda conforme as horas do dia e de acordo com o que se vai fazer lá. Para os funcionários recém-chegados é sempre cedo. Para estes é tranquilo ou caótico; cordial ou agressivo; ruidoso ou silencioso. Para os que saem é sempre tarde. Nada mais, porém importa. Você sai cansado, mas com aquela euforia típica de quem cumpriu o dever. Muito mais que isso. Você confortou o seu semelhante; aliviou-lhe a dor. O hospital para você é triunfo. Não raras vezes, triunfo com sabor de manjar do Céu, porquanto sobre a morte.  Para os pacientes internados, noite e dia não existem. Já os visitantes, nada enxergam; apenas veem. E interpretam tudo errado. Você e eu já estivemos lá em todas essas circunstâncias.



2

Naquele Dezembro do ano de sua formatura você se encontrava de plantão há trinta e seis horas. Um colega rico lhe pagara para emendar o turno dele com o seu. Quando você chegou, a silhueta do hospital dava adeus à claridade do dia exibindo contornos sombrios; sem estilo arquitetônico definido.  Suas linhas eram o oposto do que acontecia lá dentro - réplicas da mais fria indiferença.

Há pouco, prestes a sair, a improvisada sala de repouso era para você a ante-sala da esperança. À alegria do dever cumprido, somavam-se as expectativas da festa de formatura. Bastou um minuto de telefone para tudo virar desespero. De súbito, o quarto se deformou em delegacia cela calabouço cadafalso... E nesse corredor da morte a sua existência retrocedeu: Sala de aulas creche berço. Os braços da sua mãe. Útero... Ou, quem sabe, ante-sala do inferno. Para mim, que chegava, era manhã ensolarada de primavera. Para você, que saía, trevas e tempestade. Tenho de confessar, para ser sincero, que toda a sua cota de paz e de alegria se difundiu para dentro de mim. Não por ter acontecido com você, mas por não ter sido comigo.

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O leito não me comporta; eu e ele temos quase a mesma envergadura. Feito sob medida para o meu corpo. Esta idéia me traz uma livre associação com um esquife. Meu peito imita a parede de uma central de computadores, tamanho o emaranhado de fios. Da parte traseira e de sobre a minha cabeça um som agudo, repetitivo, intermitente, irritante faz bip, bip, bip nos meus ouvidos, mas o cérebro interpreta como gotas de vida se escoando de uma torneira mal fechada.

Tenho as veias dos braços transfixadas por agulhas e borrachas. Uma espécie de prensa de colar madeira abarca parte da minha pelve entre a virilha e o quadril. De vez em quando vem um enfermeiro apertar mais. A dor é insuportável. A intenção é vedar um furo aberto na minha artéria femoral, por onde penetrou um cateter a caminho do coração. Tatuagens arroxeadas decoram-me o tronco e os membros inferiores. São hematomas - resultado da infusão de inúmeras drogas, ou da tentativa de. Enquanto isso, aguardo apavorado o resultado do cateterismo para saber se serei ou não operado a céu aberto.



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Valeu a pena estar cansado, conquanto há algumas horas estivesse muito triste por não ter sido capaz de ressuscitar um morto... Frustrado por não ser o Homem da cruz. Criança atropelada. Ausência de reflexos pupilares. Coração, ruídos respiratórios, nada.  Mesmo assim, você fez massagens cardíacas, respiração boca a boca e examinou de novo. Reprimiu a emoção, comunicou aos pais e encaminhou o pequeno cadáver ao IML. Não apenas ossos, como também carne, sangue, suor e lágrimas do ofício.

Sacudindo a quietude do repouso médico, a invasão das estridentes e insistentes chamadas. Redemoinho às avessas. Você tateou um alô desprevenido.  Era (do Inferno) da diretoria. Você tinha de ir imediatamente. Impossível repor o fone. Tremor, suor gelado. Tonteira, cegueira, baticum. Sufocação. Desespero. Pavor... Ouvia sem escutar.  Repudiava o resto. Esperançava um trote... Isso: um trote.

Não podia ser verdade... Ódio acumulado. No espelho, você arregalou os olhos. Caminhou em círculos pelo quarto, sem perceber. E só caiu na realidade ao constatar o fone pendurado pendulando balançando feito um enforcado.

O pânico acrescentou um abatimento abissal. Há vinte e cinco minutos havia futuro. Vinte e cinco anos.  Decente, honrado, esperanças, sonhos, glórias. Comemorações. Colação de grau. Você se preparava para os festejos. Missa em Ação de Graças. A cerimônia. Baile. O terno financiado em dez parcelas mensais sem entrada. Dureza. Você tinha de aceitar a mesmice do exíguo cardápio. Aquele eterno cachorro quente com gosto de jornal amassado. Disfarçava o puído da camisa. Dormia em colchão no chão. Humilhações, descrédito. Visionário. Teimosia. Você aguentou firme. A vitória logo ali... A Vitória.



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Quando você entrou, correndo risco de morte e sentindo muita dor, experimentou alívio imediato. Foi medicado operado bem cuidado e chegou o dia da bendita alta. Então, o hospital era belo. Contudo, a sua felicidade foi muito maior do que qualquer parente imagina. Ou imaginaria, pois ninguém ainda soube do que você passou. Você se encontrava sozinho, no exterior. Adoeceu de repente. A dor era tamanha que não houve sequer como se comunicar com a seguradora que, por sua vez, não segurava coisíssima alguma. A não ser o seu dinheiro. Agora tudo já passou. O hospital o socorreu tratou curou. Há uma conta enorme a quitar. Para sua sorte o governo estrangeiro bancou todas as despesas. Ainda que tivesse com que pagar, você não desembolsaria um centavo. Nem no seu próprio país você teria tamanha regalia. Você É eu. E eu É você. Estamos felizes. O Hospital é a felicidade.



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Por que comigo, meu Deus? Trocar o plantão, vender o descanso. Por que não com o outro? Rico, pais influentes, parente de político importante. Maldita falta de dinheiro! Ânsias de voltar no tempo impossível. Falta coragem. Falta tudo. Como agir? Com quem contar? Socorro! Tio longe desde o vestibular. Mais por imposição daquela agitação, estudos, noites em claro, a puta lutalabuta. Desculpa racionalizada. Boa gente, o velho. Localizar pelo catálogo. Aquele só de endereços. Nem o nome da rua. Decerto se mudara. E pouco poderia fazer. Da polícia era, mas há anos encostado por invalidez.

Colegas, nenhum confiável. Ajudar, prestar solidariedade, Samaritanos, Cirineus? Sim! Mas só para a mídia. A concorrência feroz não permite rasgos de generosidade. No íntimo gozavam. Telefonavam-se, espalhavam a sua infelicidade aos milhões de ventos. Uma peça a menos no tabuleiro de xadrez. Xadrez, xadrez. Conversas veladas escondem a satisfação. Príncipes, filhos de Asclépio, irmãos de Hígia e de Panacéia. Incapazes de tamanha mesquinharia! Só no subconsciente. Quase no inconsciente. Negar ajuda é repugnante. A idéia é repugnante. Imprensa em manchete, edição extra. Situação crítica, irreversível. Liquidado! Coitado, não tem mais futuro como médico. Nem como aplicador de injeções será de valia. Talvez nem como gente. Pena. Não é pra menos. Necessário amparar: companheiros de estudo, de trabalho... Amigos. Acima de tudo cristãos. Cristãos. Cristo. Ah, Jesus, não é possível! Não pode ser verdade... O hospital é desgraça. A desgraça.

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  Gente trepada até nas marquises. Refletores, câmeras, unidades móveis dos principais jornais, das estações de rádio e de TV. Viaturas da polícia. Um camburão. Um rabecão. Exagero. Nada consola. Nenhum auxílio. Solidão absoluta. A entrada principal do hospital se torna um mar de cabeças. As pernas fraquejam. A síndrome do pânico volta. Dentro, um campo de batalha: fígado intestinos estômago pulmões. Diafragma contra o resto do mundo... Tudo se revira. Revolução. Você expele em golfadas o que tem, e até a alma que nem sabe se tem... Desiste. Não prossegue. Faltam meios para pagar sozinho o estipêndio de culpa que o clamor popular reivindica. Deus! Tio, me ajude! Mas venha logo pelo amor de Deus... A multidão.  Acendem-se as luzes. Câmeras. Ação. Um filme policial onde você é o bandido. Sim, lá está... Empurrões. Xingamentos. Tem mesmo cara de assassino. Vamos dar um jeito nele agora. Justiça! Seis soldados formam um cordão de isolamento. O populacho apupa: Solta Barrabás! Crucifica! Sim. Você se sente tão sem culpa que, no íntimo, se compara com o Homem da cruz. Mas a platéia não perdoa: Canalha Monstro Assassino!



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 A voz implacável, reverberando, esganiçada, aos berros, maldita, saída daquele maldito telefone, julga sentencia executa. O diretor possesso: Ligaram do IML. Um auxiliar de necrópsias. O legista nem consegue falar. A notícia é arrasadora. O atropelamento que você enviou para lá...  Deu zebra. O menino estava vivo. O doutor fez o talho da autópsia e...



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Nada no hospital sucede como num relato convencional: linear, ordenado, certinho. Sequência lógica, feito romance de Balzac ou conto de Poe. Não! Não há simetria nenhuma no dia a dia de uma clínica de emergência. As pessoas ignoram a maior parte do que está ocorrendo e do que vai ocorrer. Não raras vezes, até consigo próprias. E isto não incide apenas sobre os doentes e familiares... Com os médicos, estudantes e funcionários, o mesmo acontece. No Pronto Socorro, excetuando a morte, nada também é conclusivo. Nem existem começo meio e fim. É mais ou menos como nessa história...






[1] Capítulo do livro “Lagartas-de-Vidro”. Prêmio  Concurso Nacional de Contos e Poesias  “Correio das Artes” – Paraíba – 2010.

domingo, 16 de junho de 2013

POR: JOSÉ WILSON DE SOUZA - CANÇÃO PARA GORETTI


Dr. José Wilson de Souza - Médico e Membro da SOBRAMES-CE


CANÇÃO PARA GORETTI  
                           
             (Para a Enfermeira Goretti Brasil)

Gratos pelo que fizestes, dando tudo sem pedir nada .
Todos estamos tristes em busca de ti
porque  já não temos a tua presença
e nem ouvimos  tua oportuna gargalhada

Meu cavaquinho calou de saudades.
Já não se ouvem as românticas canções,
não existe ninguém naquela calçada.
Nas noites de luar  não existem serões

Ficou a tristeza sem a tua presença.
Com tua partida acabou-se  a alegria.
Brilhastes na tua passagem, qual meteoro,
deixando em cada um,  triste  nostalgia

Com tua partida  ficaram as  frias madrugadas.
Olhando o luar,  nos  conforma um  sentimento,
estes mesmos raios frios de saudades,
também são vistos por ti neste momento

Toda Jaguaretama ficará em festa
quando souber que vais voltar,
voltarão as  alegres noites de serestas,
novamente o cavaquinho irá tocar

Voltarão as  canções  nas madrugadas,
os  pássaros nos verdes campos irão cantar,
cachoeiras cheias em vez de lágrimas,
irão correr,  no dia em que puderes voltar

Iremos cantando, alegres pelas estradas,
serestas ao som de  violão  e  violino,
dançaremos nas noites  enluaradas
felizes, pelo pássaro que voltou ao ninho

POR: SEBASTIÃO DIÓGENES - CECÍLIA E BANDEIRA

Dr. Sebastião Diógenes - Médico e Tesoureiro da SOBRAMES-CE



CECÍLIA E BANDEIRA

Comprei duas antologias poéticas de qualidade excepcional: uma de Cecília Meireles, outra de Manuel Bandeira. Ambas contêm os melhores poemas escolhidos pelos próprios autores. Magníficos!  São lançamentos recentes da Global editora. Cada livro traz na capa lactescente plastificada a fotografia em preto e branco desses imortais poetas. Cecília está de perfil, linda e sorrindo, tendo ao fundo a bela paisagem de um lago contornado por morros, parece-me, a lagoa Rodrigo de Freitas. Manuel Bandeira também está de perfil, dentuço e sisudo, com os indefectíveis óculos de armação grossa e preta.

Pois bem, enquanto estou lendo os livros, guardo-os deitados um sobre o outro - como que abraçados - na sobra da prateleira da estante superlotada. Parece trocarem afagos, os livros, com o pudor que os poemas de Cecília reclamam! Irão assumir a digna posição vertical quando concluir a leitura, coisa de poucos dias.  Enquanto isso não ocorre, preocupo-me com os dois vivendo desse jeito, com liberdades.  Por cautela e consideração à grande poetisa, coloco-a (o volume) sobre o Bandeira, mesmo sabendo que tal providência não conferiria garantias.  Não sei o grau de amizade que existiu entre eles durante a passagem terrena.  Sei que não devo facilitar as coisas na minha biblioteca, posso ser severamente repreendido por dona Cecília, a quem adoro, quando nos encontrarmos. Bandeira, não, gênio do erotismo poético, iria achar engraçada essa prosopopeia. Todavia, tenho de ter os meus cuidados, quero contar com a amizade dos dois, fortuna que carece de pressa.

Sebastião Diógenes.

19/maio/2013.