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domingo, 18 de maio de 2014

POR: CELINA CÔRTE PINHEIRO - CORRENDO NA RUA

Dra. Celina Côrte Pinheiro - Médica e Presidente da SOBRAMES-CE
Publicado no DN , hoje, 18/05/2014
CORRENDO NA RUA
Em Fortaleza, costumo percorrer o calçadão da Beira-Mar caminhando a pé. Tenho, assim, condição de observar aquilo que não perceberia dentro de um automóvel. Numa noite dessas, fiz o mesmo percurso em meu carro, do início ao fim daquela via. Desta forma, observei um cenário diferente daquele meu habitual. Na via pública, à direita e à esquerda dos carros, pessoas corriam de forma descontraída, sob o risco de atropelamento. Face à iluminação inadequada em certos trechos, alguns desses corredores surgiam de repente à minha frente, sendo necessário redobrar os cuidados. O fato causou-me estranheza e preocupação. Afinal, eu, protegida pelo envoltório do carro, disputava o mesmo espaço com pedestres, totalmente vulneráveis. Estariam aqueles corredores ocupando o espaço destinado aos automóveis porque o calçadão não é apropriado para o esporte? Desejariam com aquela atitude demonstrar a todos que a avenida deveria, em certos horários, ser totalmente destinada a corredores, banindo-se o trânsito de veículos? Agiriam daquele modo, por simples imprudência, sem qualquer noção dos riscos a que se encontram expostos? É óbvio ter faltado qualquer planejamento na construção daquela via, estreita e irregular. Uma simples visão de futuro bastaria para a preservação de um espaço bem maior entre a praia e os edifícios. Diante do que aí está, caberá à moderna engenharia encontrar soluções. O que não podemos é fechar os olhos aos esportistas que se expõem a graves acidentes, em uma cidade onde as estatísticas demonstram que em 2012, morreram no trânsito 413 pedestres. De janeiro a agosto de 2013, ocorreram 952 atropelamentos de pedestres. Destes, tivemos 352 vítimas fatais, superando proporcionalmente a estatística do ano anterior. O risco de morte do pedestre atropelado aumenta, conforme a velocidade do veículo que o atinge, porém, esta não é uma regra sem exceções. Mesmo em baixa velocidade, os veículos podem acarretar sérios danos aos esportistas que correm naquela rua. No programa de mobilidade urbana, os pedestres não podem ser esquecidos, propiciando-lhes segurança e comodidade em seu deslocamento.

Celina Côrte Pinheiro 
Médica

segunda-feira, 12 de maio de 2014

POR: FÄTIMA AZEVEDO - MÂE

Dra. Fätima Azêvedo - Médica e Membro da Sobrames-CE

MÃE
Dor infinda
Amor sem fim
Caminho sem volta
Mãe de salto ou de bengala
Em toda e qualquer idade
Quer o bem do próprio filho
Seja ele um bebê
Ou homem de barba, grisalho
Mãe só sabe dar amor
Carrega sua dor calada
Transforma a lágrima em riso
E da dor tira um sorriso
Mãe tão forte e tão frágil
Às vezes mal entendida
Tem sexto sentido à postos
Adivinha sem botar cartas
Prevê sem bola de cristal
Sente cheiro de sorriso
E também de choro preso
Mãe, amor infinito
Caminho sem volta

sexta-feira, 9 de maio de 2014

POR: ANA MARGARIDA ROSEMBERG - A NUDEZ DE MARIA ANTONIETA EM DOIS MOMENTOS DE SUA VIDA


Dra. Ana Margarida Rosemberg - Médica e Segunda Secretâria da Sobrames-CE

Réplica da cela onde Maria Antonieta ficou presa na Conciergerie

Pintura da Rainha Maria Antonieta

Maria Antonieta na Conciergerie

A NUDEZ DE MARIA ANTONIETTA EM DOIS MOMENTOS DE SUA VIDA*



O dia mal clareara naquela manhã de 16 de outubro de 1793.
Na pequena mesa ainda queimavam duas velas iluminando, debilmente, o escuro e fúnebre cárcere da Conciergerie, que durante os últimos 70 dias abrigara a Rainha da França.
 Lá fora, os tambores rufavam, por toda a cidade de Paris, anunciando mais um espetáculo da Revolução que logo iria se desenrolar em praça pública.
            Rosália, uma camponesa, entrou na cela com um caldo, trêmula e cheia de piedade. Maria Antonieta após passar a noite em claro resolveu escrever uma carta para sua cunhada, recomendando os filhos.
Vencida pelo cansaço, deitou-se na cama com seu vestido preto de viúva do Rei da França, mas era preciso levantar-se e despir-se para pôr um vestido branco, pois assim deveria comparecer ao cadafalso naquela manhã histórica. O carcereiro, que guardava sua cela, tinha ordem de não se afastar e a Rainha, para esconder sua nudez dos olhos daquele homem rústico do povo, colocou-se em um pequeno vão entre a parede e a cama e começou a despir-se. O corpo fenecido pelo tempo e sofrimento já não era o mesmo da adolescente de 14 anos que outrora, em uma ilha no meio do rio Reno, ao despir-se, resplandeceu iluminando a antecâmara daquele luxuoso pavilhão e os olhos do séqüito de nobres austríacos, que acompanhavam a arquiduquesa naquela suntuosa cerimônia. 
Completamente nua e linda, no esplendor de sua pureza virginal, com seus cabelos de um louro muito claro, seus olhos de um azul profundo, seu corpo esbelto, delicado e gracioso de adolescente, recebeu a mais fina seda francesa para cobrir sua nudez e sair dali como Delfina da França.
Do outro lado do Reno, em uma luxuosa carruagem, o Rei Louis XV e seu neto, futuro Rei Louis XVI, aguardavam, com ansiedade, a chegada da Delfina que deixava para sempre o palácio de Schoenbrunn, o convívio alegre com seus irmãos, suas brincadeiras infantis e o carinho de sua mãe, Maria Teresa, para seguir o seu destino de Rainha da França.                                    
            24 anos depois, Maria Antonietta despia-se novamente.
Agora, naquela triste cela, úmida e escura, da Conciergerie com sua magnífica arquitetura gótica, porém lúgubre para a prisioneira.
Maria Antonietta não tinha mais o brilho da juventude, porém seu corpo resplandecia mais uma vez, iluminando o cárcere escuro, com sua alma purificada pelos sofrimentos enfrentados, com resignação, nos últimos quatro anos.
Rosália ajudou a pôr o modesto vestido branco de algodão, a colocar um véu de mussolini no pescoço e a cobrir, com uma touca, os cabelos completamente brancos, apesar de ter apenas 38 anos.
Seu rosto estava cansado e envelhecido, mas conservava a misteriosa força magnética de encantar as pessoas.
Maria Antonietta desejava a morte, mas precisava reunir forças para morrer com dignidade, precisava mostrar aos franceses como morre uma Habsburgo, filha de Maria Teresa.
 Às 10h00min, entrou o carrasco Sanson para lhe cortar os cabelos e ela, sem a menor reação, deixou também que lhe amarassem as mãos nas costas com uma corda. Estava decidida a salvar sua honra e não demonstraria algum sinal de fraqueza.
Lá fora esperavam por ela, uma carroça puxada por um cavalo e uma multidão de 10 mil pessoas, que se apinhavam para mais um dia de espetáculo oferecido pela guilhotina, em nome de “liberté, égalité et fraternité”.
Sentada na dura tábua da carroça, a Rainha da França olhava firme para frente sem oferecer à curiosidade da multidão um sinal de medo ou de dor. Parecia nada ver e nada ouvir. Nenhum tremor lhe agitou os lábios, nenhum estremecimento passou pelo seu corpo. Senhora absoluta de seu destino parecia ter consciência do momento histórico que vivia.
A carroça parou diante do patíbulo.
Maria Antonietta subiu os degraus do palco de madeira com a mesma graça e agilidade com que outrora subia as escadarias de mármore do “Palais de Versailles”.
O silêncio se apossou daquela praça. 
Os carrascos pegaram-na pelos ombros e a deitaram sobre o patíbulo e, acima, a lâmina da guilhotina brilhava de tão afiada.
Uma puxada na corda, um lampejo no cutelo, um golpe surdo e a imortalidade para Maria Antonietta.

Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg
São Paulo, 2 de novembro de 2004.



*Este relato se restringe a fixar dois momentos da vida de Maria Antonietta, marcados com sua nudez. No primeiro, com todo esplendor, ela entrou para vida como Delfina e futura Rainha da França e no segundo, trágico, despida de sua realeza, entrou para a História.



sexta-feira, 2 de maio de 2014

POR: JOAO DE CAMPOS AGUIAR FILHO - DR. HERONDINO

Dr João de Campos Aguiar Filho
Médico Oftalmologista
Ex-docente de Anatomia do CCMB-PUCSP


Dr. Herondino

Texto enviado pelo Dr. William Moffitt Harris 

Se houve alguém que gostasse de etiqueta, bom comportamento social, que mantivesse a linha mesmo quando todos estivessem fora dela e outras referências conforme estão no poema “SE” de Rudiyard Kipling, esse foi o Dr. Herondino.
Ainda estudante, ao participar das patuscadas universitárias, mantinha-se dentro de limites aceitáveis.
Nada de dar “pinduras” nas datas festivas conhecidas, ou sequer fugir ao pagamento das marafonas, quando a masculinidade apelava aos sentimentos juvenis.
Na festa de formatura, enquanto os colegas lavavam a alma em homérica bebedeira, Herondino comemorou sobriamente com a família. 
 Começou a trabalhar no dia seguinte, ou quase, já que a formatura ocorreu num sábado, prolongando-se na madrugada do domingo. Bem preparado nos seis anos de Escola, estava pronto para a luta.
A princípio era “médico do corpo inteiro”, como afirmava ao explicar o exercício das funções. A pequena clientela obrigava-o a não recusar pacientes. Com poucos meses de trabalho já conseguiu selecionar, partindo para o tratamento de crianças.
Exercia a profissão em tempo parcial, dedicando horas no Hospital de Ensino, melhorando seus conhecimentos. Não era o tempo das “residências” atuais.
Andava sempre bem vestido, com camisa de mangas compridas, paletó e gravata, que não abdicou mesmo quando adotou o traje branco diário.
Não fumava e não bebia, sequer socialmente. Quando a necessidade de relaxamento apelava, recolhia-se e aliviava-se com alguns goles. Nada que pudesse comprometê-lo.
Fez carreira de sucesso crescente. Casou-se com a namorada dos tempos pré-universitários. Talvez tivesse cortejado outra mais, além daquela com quem “convolou” núpcias. Sim, Dr. Herondino não se “amarrou”. Contraiu núpcias , como exigia sua maneira de viver.
Foi muito comentado durante o desempenho da carreira pela dedicação, eficiência e pontualidade. No Hospital onde praticou medicina, auxiliares acertavam o relógio  pela manhã, quando ele adentrava rigorosamente no horário marcado. Fez historia.
Com o passar do tempo dedicou-se fielmente à especialidade para a qual foi adquirindo enorme conhecimento, quando seus clientes mudavam da faixa etária condizente, encaminhava-os para colegas.
Só permitiu-se uma exceção quando os dois clubes de futebol da cidade, com inimigos figadais de cada lado foram se duelar na partida que definiria o campeonato.
A disputa era tão acirrada que até os médicos assistentes dos dois clubes participavam da rivalidade.  A atenção aos traumatizados durante a disputa deveria ser feita por equipe rigorosamente neutra, evitando brigas no campo.  O único médico da cidade não simpatizante do esporte era o Dr. Herondino, que não conseguiu escapar ao apelo de todos os colegas, obrigando-o aceitar, pelo menos durante as horas da partida. O encargo dos primeiros socorros aos caídos no campo de luta.
Dr. Herondino adentrou o estádio impecavelmente de branco, incluindo  sapatos.  Se tivesse que atender o filho da Rainha da Inglaterra, não precisaria mudar o traje.
Assim, ouvindo palavrório do populacho, repleto de expressões vulgares e de calão, o médico cumpriu suas funções. Foi agraciado com placa comemorativa.
Mantendo essa linha de postura marcou época.
Quando houve desfile de beleza para as escolha da “Miss” que representaria a cidade no certame estadual, foi organizada festa no Clube Campestre, onde se instalou passarela e tudo mais que constitui o cenário para o evento, além das acomodações para os julgadores.
Dr. Herondino foi escolhido para ser jurado, devido ao notório bom gosto e observador da etiqueta.
Acomodado em lugar de honra, com os demais colegas juízes, assistiu as fases preliminares para a classificação das candidatas. Na hora da apresentação em trajes de banho, as mocinhas desfilaram com peças minúsculas, que mal dariam para confeccionar uma fralda, se destinadas para tal.
Dr. Herondino assistiu de perto, com olhar ao alcance de qualquer míope, a passagem daqueles estonteantes corpos juvenis perfeitos, sem alterar a fisionomia, sem dar qualquer “dica” de entusiasmo masculino.
Quando terminou o desfile, ele disse para os organizadores do certame:
 – Já as havia visto peladinhas.
Ante o espanto de todos foi preciso explicar que o reservado Dr. Herondino fora neo-natologista da maternidade local, onde elas nasceram e examinadas na primeira hora de vida.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

POR: JOÄO ROZAS BARRIOS - AS GARRAFADAS

Dr. Joao Rozas Barrios - do Movimento Médico Paulista Cafezinho Literário (MMCL) 

                                                AS GARRAFADAS

 Texto enviado pelo Dr. William Moffit Harris


     Garrafada, fórmula medicinal preparada com componentes de origem vegetal, mineral e animal. É um preparado de uso comum entre aqueles que buscam, na medicina popular, a solução de seus problemas de saúde física, mental e espiritual. Seus protagonistas ou oficiais, conforme o meio em que se pratica, é formado por curandeiros, raizeiros, benzedeiros e benzedeiras, rezadores, pais e mães de santo, catimbozeiros, juremeiros, pajés urbanos e até por pessoas comuns, simples curiosos entre outros.
     Em resumo: beberagem feita por leigos aplicada como remédio.
     A garrafada é herança das antigas triagas, preparados que existiam desde a Antiguidade clássica. Como a garrafada permanece no cenário da medicina popular ou rústica contemporâneo, deve-se admitir que seu poder de cura seja efeito da fé religiosa que alimenta a esperança de cura, acreditando na sua eficácia. Esse sentimento não é garantido pela medicina oficial ao doente. Esta a razão de admitirmos que qualquer tentativa de se explicar esse poder incomum de cura transcende o nosso entendimento, ultrapassando mesmo o resultado das detalhadas análises científicas farmacêuticas dos componentes dessas formulações, pois desobedecem a critérios lógicos de suas funções e de seus efeitos.
     As primeiras fórmulas trazidas pelos europeus ao Brasil eram as chamadas triagas que eram preparados à base de vinho e mel, acrescidas de substâncias de origem vegetal, animal e mineral conhecidas desde a Antiguidade. O termo de origem grega –Theriakè – e latina – Theriaca -, inicialmente significava antídoto contra envenenamento de qualquer origem.
     Essa história se inicia com Mithriades IV, rei da cidade de Ponto, na Ásia Menor. Esse monarca, que vivia com medo de ser envenenado, passou a vida tentando descobrir antídotos contra venenos. Ele os experimentou em seus escravos.  Essas experiências passaram à história com o nome de Mithridatum. Andrômaco, medico grego oriundo de Creta, e que servira como arquiatra de Nero, denominou o produto dessas experiências com o nome de Teriaga, que quer dizer fera.
     Com o tempo a própria Teriaga teve como sinônimo o termo Andrômaco.
     Inicialmente era preparada com algumas substâncias que se acreditava tivessem propriedades capazes de neutralizar os venenos das cobras e outros peçonhentos. Com o passar dos anos, o composto foi sendo enriquecido pelos mais variados ingredientes e chegou a ter cinqüenta e seis. Esse era o número da fórmula clássica da Teriaga.
     Esse composto, que começara com carne de víboras, sucos de alguns vegetais, sais diversos, pele de lobo, abelhas amassadas, óleos diversos, teve com o passar do tempo sua fórmula acrescida de muitos outros elementos.
     Galeno foi o cirurgião dos gladiadores e também um ginasta. Treinava  luta Greco romana. Utilizava muito a Teriaga e lhe aumentou os componentes fazendo com que chegassem a setenta. Ela levava meses para ser preparada e era guardada em potes e, como o vinho, quanto mais velha, melhor !
     Galeno tinha tanta fé nesse produto que ele pessoalmente a preparava para os imperadores aos quais servia.
     Durante toda a Idade Média, a Teriaga dominou a lista de preparados utilizados para combater todas as enfermidades.
     Não havia ninguém, plebeu ou nobre, cidadão ou escravo, “cultos ou ignorantes, expertos ou tolos,” que não confiasse cegamente na Teriaga. Servia para prevenir doenças, curar as picadas de qualquer serpente, tratar as inflamações e lutar contra a peste negra, como nos informa Petrucelli.
     O inglês Heberden, que por ter estudado e descrito as saliências que as pessoas artríticas têm nos dedos, e que ficaram com seu nome – nódulos de Heberden – realizou uma campanha crítica contra a Teriaga fazendo que esta passasse a perder a sua popularidade. Entretanto esteve em farmacopéias da França, Espanha e Alemanha até o último quarto do século XIX.
     Sob o ponto de vista farmacêutico seria um eletuário que é todo remédio de consistência um pouco mais solida que o mel.

Dr. João Rozas Barrios
Médico Ortopedista em Sorocaba